Entrevista com
Carl Rudebeck
“A empatia corporal – o processo através do qual os indivíduos comunicam a experiência corporal – é crucial em Medicina”
Carl Edvard Rudebeck, clinico geral a exercer na Suécia, tutor de investigação no condado de Kalmar e docente de Clínica Geral no Departamento de Medicina Comunitária da Universidade de Tromsø (Noruega), estará em Lisboa para apresentar uma palestra sobre cuidados personalizados e abrangentes, intitulada “A compreensão dos médicos acerca do significado corporal do paciente”.
Carl Edvard Rudebeck, clinico geral a exercer na Suécia, tutor de investigação no condado de Kalmar e docente de Clínica Geral no Departamento de Medicina Comunitária da Universidade de Tromsø (Noruega), estará em Lisboa para apresentar uma palestra sobre cuidados personalizados e abrangentes, intitulada “A compreensão dos médicos acerca do significado corporal do paciente”.
Nesta breve entrevista, explica-nos um pouco mais das suas ideias e dos esforços investigacionais que tem desenvolvido na área da interação entre médico e doente.
De que forma a tecnologia clínica transformou a relação médico/paciente? Como pode o médico de família manter um relacionamento equilibrado com o doente?
De que forma a tecnologia clínica transformou a relação médico/paciente? Como pode o médico de família manter um relacionamento equilibrado com o doente?
Carl Edvard Rudebeck – Hoje em dia, existe um número muito mais elevado de opções de investigação e tratamento. Em simultâneo, verifica-se um menor nível de aceitação de erros por parte da sociedade, com alguns dos nossos pacientes a partilharem este tipo de preocupação e a expressá-la publicamente. Enquanto clínicos gerais, temos de ser explícitos em relação a estas matérias com os nossos doentes e temos de aprender a viver com um certo grau de risco, porque de outra forma iremos provavelmente fazer mais mal do que bem.
Algumas destas discussões com os pacientes podem, por vezes, revelar-se muito interessantes e compensadoras. Mas o problema, em si, não é algo que deva ser gerido individualmente por cada clinico geral, mas uma matéria para ser debatida no seio da profissão e, como tal, sujeita a discussões e análises num nível colegial e público.
O que significa, exatamente, o conceito de intersubjetividade na relação médico/paciente e quais são as principais linhas de investigação que desenvolveu, nesta área?
O que significa, exatamente, o conceito de intersubjetividade na relação médico/paciente e quais são as principais linhas de investigação que desenvolveu, nesta área?
A intersubjetividade é o processo através do qual os indivíduos conseguem partilhar a sua experiência e as suas ideias. Esta partilha nunca é absoluta, é antes uma aproximação e varia conforme a situação e o contexto. Ainda assim, representa o cimento das relações e do tecido social e é, provavelmente, a mais humana das capacidades. Empatia é outra palavra que podemos empregar, mas mais especificamente confinada à experiência. Em Psicologia – e também em Medicina – a empatia tem vindo primariamente a ser associada com as emoções. Mas na história da Hermenêutica e da Fenomenologia, trata-se de um conceito ligado à experiência como um todo. O peso das emoções corresponde ao peso que as emoções têm na experiência. A empatia corporal – o processo através do qual os indivíduos comunicam a experiência corporal – é crucial em Medicina e as aptidões associadas à empatia corporal podem ser desenvolvidas a um nível profissional, por parte dos médicos. Trata-se de uma competência pré-diagnóstico de alguma importância para o clínico geral que, quando ajuíza os sintomas apresentados pelo paciente, muitas vezes depende mais de fatores como a interação e o conhecimento pessoal do que de algoritmos.
O trabalho que tenho realizado nesta área está concentrado, predominantemente, na escrita de artigos sobre este assunto. Em colaboração com um colega, também desenvolvi um estudo em que investigámos e comparámos a experiência corporal revelada pelos clínicos gerais da nossa região. Acredito, também, que as competências do foro da empatia corporal estão dependentes do acesso à nossa própria experiência corporal, uma vez que tal experiência é a referência primordial para os conceitos que designam a experiência corporal, num sentido mais alargado. Dito isto, o talento puramente social e comunicativo revelado pelo profissional de saúde também é, provavelmente, importante.
Os médicos de família valorizam a pessoa, em particular, ao invés dos problemas psicossociais e somáticos que ela manifesta? O que revelam os resultados das suas pesquisas?
Os médicos de família valorizam a pessoa, em particular, ao invés dos problemas psicossociais e somáticos que ela manifesta? O que revelam os resultados das suas pesquisas?
Participei num estudo qualitativo no qual clínicos gerais foram observados em ação, assim como entrevistados acerca da sua prática médica. Nesse contexto, a figura da pessoa/paciente revelou-se crucial, porém o corpo e o contexto não puderam ser separados da pessoa. O exame corporal revelou-se importante, mas o exame corporal continha também dimensões relacionais e comunicativas. De facto, quando estamos face a face com os pacientes, a Medicina da pessoa integral torna-se uma realidade imediata.
De que modo estas diferentes abordagens relacionais condicionam a consulta do médico de família e a sua ligação ao paciente?
De que modo estas diferentes abordagens relacionais condicionam a consulta do médico de família e a sua ligação ao paciente?
No ponto de partida, não existem diferentes abordagens relacionais a considerar. O principal é encorajar o paciente a contar-nos os seus problemas, de uma forma que faça sentido e seja válida perante a experiência original – por mais estranho que isto possa parecer – e, a partir daí, convencê-lo a relatar-nos os seus sentimentos, pensamentos e expetativas. O desafio para o clínico geral é o de se manter fiel a este compromisso o tempo suficiente para fazer com que o doente sinta que o mais importante foi dito e partilhado, que esta primeira narrativa ou apresentação de sintomas refletiu o desejo do doente relatar, ao invés da vontade do médico em obter os factos essenciais, da forma mais eficiente possível. Se assistirmos a um bom começo, a escolha de abordagem relacional raramente se transforma num problema.
Na realidade, a plataforma para uma relação é simplesmente a existência humana; corporal, relacional, imaginativa, reflexiva e vulnerável. As doenças específicas definem um nível secundário. Contudo, até neste nível parece que – uma vez mais – a doença não tem existência própria. O doente surge-nos sempre na sua presença e expressão global, contíguo à doença, do ponto de vista do clínico geral. O corpo tem a sua anatomia existencial, a mescla de experiências e capacidades, gerais e específicas, grandes e pequenas, saudáveis e enfermas, que geram as condições para participar no mundo físico e social. Ao nível dos sintomas psiquiátricos, pode-se dizer que a consciência pode ser ela própria o sofrimento. A pessoa e a doença são, em ambos os casos, construções de linguagem.