Entrevista com
Margaret McCartney
“Muitos programas de rastreio mostram evidência de benefícios... Mas outros revelam também evidência de malefícios”
Autora de “The Patient Paradox”, Margaret McCartney é uma clínica geral escocesa (de Glasgow) e uma acérrima defensora da noção de que a medicina sedutora representa, em si mesma, um mal para a saúde das pessoas. Colaboradora regular do British Medical Journal e de vários órgãos generalistas (é bem conhecida pela sua participação no programa “Inside Health”, da Radio 4 – BBC), Margaret McCartney estará em Lisboa, em Julho de 2014, para dar uma palestra singular e controversa.
Autora de “The Patient Paradox”, Margaret McCartney é uma clínica geral escocesa (de Glasgow) e uma acérrima defensora da noção de que a medicina sedutora representa, em si mesma, um mal para a saúde das pessoas. Colaboradora regular do British Medical Journal e de vários órgãos generalistas (é bem conhecida pela sua participação no programa “Inside Health”, da Radio 4 – BBC), Margaret McCartney estará em Lisboa, em Julho de 2014, para dar uma palestra singular e controversa.
Basta relembrar que esta médica escocesa acredita que os doentes devem ter real autonomia para recusar propostas de rastreios e que, por vezes, a justiça e a equidade sociais podem fazer mais para prolongar a vida dos cidadãos do que o recurso à medicação preventiva.
Quais são as principais ideias que irá expor na sua palestra, durante a Conferência da WONCA Europa 2014, em Lisboa?
Margaret McCartney – Os políticos parecem perfilhar da crença de que a melhor medicina preventiva está associada aos medicamentos – quando, na verdade, tudo se concentra em torno das desigualdades sociais, da educação e de uma legislação equilibrada ao nível da Saúde Pública. As estatinas não podem competir com a justiça social, quando se trata de prolongar a vida das pessoas e de atribuir-lhe maior qualidade. Por outro lado, os médicos parecem ter acatado a responsabilidade pela Saúde Pública, ao nível individual, enquanto os doentes são estigmatizados pela irresponsabilidade demonstrada face à sua “má saúde”. Julgo que isto é uma forma errada de encarar o problema. Existe, em definitivo, um lugar para a boa medicina preventiva, mas é errado pensar-se que clínicos gerais ocupados a gerir fatores de risco podem substituir uma sociedade equitativa.
Por que motivo a “medicina sedutora” é má para a nossa saúde?
Quando tomamos decisões acerca da nossa saúde com base em argumentos não sustentados e exagerados, predisposições, conflitos de interesse ou informação parcial, não vamos com certeza tomar a decisão mais informada. Todas as intervenções médicas surgem acompanhadas de riscos e benefícios. Infelizmente, as organizações empenhadas no lucro minimizam de modo frequente os riscos e enfatizam os benefícios.
Escreveu num artigo, publicado no jornal The Independent, o seguinte: "Sou uma clínica geral e não adiro às colpocitologias. Também desconheço os meus níveis de colesterol e, quando chegar aos 50 anos de idade e for convidada a participar num rastreio ao cancro da mama, não vou aparecer”. O que a levou a fazer tais afirmações?
Durante muito tempo, dissemos simplesmente às pessoas – em particular às mulheres – que deveriam realizar os rastreios e estas começaram a sentir-se irresponsáveis, quando não o faziam. Muitos programas de rastreio mostram evidência de benefícios... Mas outros revelam também evidência de malefícios – não sendo de desprezar, entre eles, o facto de pessoas que estão efetivamente doentes evitarem visitas ao seu médico, devido ao temor de serem encorajadas a realizar testes que não desejam. Temos de ser mais maduros relativamente ao risco e ao balanço do risco; os pacientes são autónomos e têm o direito a uma discussão justa e esclarecida sobre o risco e o benefício. É nosso dever respeitar essa autonomia.
Julga que as autoridades nacionais de saúde gastam recursos desnecessários, em testes e rastreios efetuados com pessoas saudáveis?
É provável. Existem muitos testes feitos no âmbito do serviço nacional de saúde britânico (NHS), tais como os “health checks”, que não estão suportados por evidência científica. A maioria dos outros testes apresenta um misto de benefícios e de riscos. Se pretendêssemos, realmente, marcar a diferença no que respeita à longevidade das pessoas, teríamos ao nosso alcance maneiras muito efetivas de o conseguir, sem recorrer aos rastreios – parece-me ilógico que, no Reino Unido, ofereçamos rastreios não baseados na evidência, ao mesmo tempo que assistimos a uma oposição feroz às embalagens de cigarros estandardizadas e não estilizadas, ou ao estabelecimento de preços mínimos para a venda de bebidas alcoólicas.
Entretanto, o problema de muitos testes de rastreio (como a mamografia, por exemplo), é a geração de sobre-diagnóstico – diagnóstico de casos de cancro e início de tratamento para os mesmos, quando estes nunca seriam naturalmente detetados e alvo de tratamento, nunca chegando a ser um problema clínico para o doente. Se fôssemos mais honestos relativamente aos prós e contras, suspeito que muitas pessoas optariam por ficar de fora destes programas de rastreio – e isto preveniria o sobre-diagnóstico.
Como podem os médicos de família acautelar os excessos de prevenção?
Existem duas situações a considerar; o que fazemos enquanto indivíduos e aquilo que as autoridades e o governo executam. Na medida em que as pessoas são convidadas centralmente a participar nos rastreios, a maioria dos clínicos gerais não tem grandes possibilidades de oferecer aos seus doentes aconselhamento baseado na evidência e de os ajudar a fazer uma escolha autónoma. No gabinete de consultas, considero muito difícil garantir que as pessoas recebam, em apenas alguns minutos, informação suficiente e correta. Espero que a mudança desencadeada através de organizações como a Informed Choice about Cancer Screening, presente no Reino Unido, exerça uma diferença mensurável no futuro.