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Entrevista com
Michael Kidd

“A Medicina sempre esteve baseada nos casos que observamos”

O presidente da WONCA Mundial, Michael Kidd, será uma das figuras incontornáveis do 19º Congresso Europeu da WONCA – WONCA Europa 2014. O clínico geral australiano trará, a Lisboa, uma comunicação construída em torno de um dos seus grandes interesses profissionais: os relatos de caso. Esta ferramenta crucial de produção e difusão científica é muitas vezes menosprezada, vista como refúgio de principiantes, mas a verdade é muitas das descobertas clínicas que espantaram o mundo partiram, precisamente, de relatos de caso.

 

MGF Notícias – Vai fazer uma apresentação em Lisboa acerca da importância dos relatos de caso. Pode-nos especificar um pouco melhor o que transmitirá aos seus colegas?

A organização convidou-me para falar sobre um assunto muito aliciante. Vamos discutir o tópico das inovações em Medicina Familiar e olhar para as mudanças que estão a ter um impacto na qualidade e segurança dos cuidados que providenciamos e na forma como prestamos serviços aos nossos doentes e comunidades.

Um dos aspetos que os organizadores me pediram para aflorar, em particular, é o papel desempenhado pelos relatos de caso no século XXI.

A Medicina sempre esteve baseada nos casos que observamos e nós, médicos de família, ganhamos experiência através dos doentes que encontramos ao longo da nossa carreira, desde o último dia em que somos estudantes, até ao dia em que deixamos de exercer.

Nos últimos anos, estabeleci uma nova publicação, denominada Journal of Medical Case Reports. Nela, colaboro com inúmeros médicos de família e pessoas provenientes de outras disciplinas, oriundas de todo o mundo. A nossa meta é perceber como podemos, através do somatório da informação recolhida a partir de relatos de caso e congregada num só fórum, descortinar novos conhecimentos. À medida que fomos desenvolvendo esta publicação, fizemos crescer também uma base de dados de relatos de caso. Isto significa que se as pessoas estão interessadas em fazer investigação numa área específica, podem procurar casos relacionados com essa temática, na nossa base de dados.

Neste momento, temos mais de 20 mil casos incluídos na base de dados, o que significa que um enorme e rico manancial de informação está ao dispor das pessoas.

 

A base de dados a que se refere é acessível a qualquer médico, em qualquer parte do mundo, de forma gratuita?

É uma base de dados de acesso livre, gratuita, que pode ser acedida através do editor da nossa publicação, a BioMedCentral. Diga-se, a propósito, que a base de dados se chama Cases Database. Já temos um número significativo de colegas europeus que se juntaram a nós e que começaram a colaborar também na publicação, trabalhando como editores e avaliando os relatos de caso que vão chegando.

 

Mas os relatos de caso que surgem integrados nessa base de dados têm origem especificamente em médicos de família de todo o mundo, ou também em profissionais de outras áreas clínicas?

A publicação cobre relatos de todas as disciplinas, mas na verdade uma grande fatia dos casos têm a sua génese na especialidade de Medicina Familiar e em médicos de família.

É importante relembrar que na Medicina Familiar vemos coisas que muitas vezes nunca foram sequer descritas na literatura médica. Podemos ver doentes com condições patológicas emergentes, novas associações, ou lidar com pacientes com comorbilidades, que quase sempre estão de fora dos estudos de investigação que geram a evidência pela qual a comunidade médica se rege. Se queremos ter Medicina baseada na evidência, então é preciso que tenhamos evidência baseada na Medicina. E, na verdade, essa evidência nasce do nosso encontro com os doentes.

 

E em relação à publicação subordinada aos relatos de caso que lidera e de que nos falou, como pensa desenvolver o seu potencial, no futuro?

Bom, para já é uma publicação on-line, não física, mas que permite que os utilizadores imprimam os artigos individualmente, se assim o entenderem. No que respeita à base de dados que lhe está agregada, as pessoas usam-na da forma que desejam, à semelhança do que acontece com outros recursos digitais. Nós fornecemos o recurso e as pessoas acabam por olhar para a informação a partir de pontos de vista diferentes e tirar conclusões sobre a forma como vão usar aqueles dados. Temos tido investigadores que trabalham numa determinada área e que usam a base de dados somente para analisar relatos de casos genuínos, que os ajudam a afinar o seu trabalho e a esclarecer dúvidas. Outros, estão à procura de novas ideias de investigação e muitas das boas ideias, historicamente, têm tido a sua fonte na Medicina Familiar.

 

O facto de os médicos de família processarem um número avassalador e diversificado de consultas contribuirá, certamente, para a riqueza dos relatos de caso que vos chegam?

Sim, os médicos de família estão na linha da frente em múltiplas dimensões e acabam muitas vezes por pronunciar a frase: “penso que é a primeira vez que vejo um caso destes!”. Um exemplo típico é o das pessoas que iniciam tratamento com um novo tipo de medicamento e que aparecem no consultório com reações adversas, anteriormente nunca descritas. Não raras vezes são os médicos de família que primeiro detetam estas reações. É óbvio que posso ver uma reação dessas isolada num doente e não lhe conceder grande importância, mas se um milhar de outros colegas também se deparam com um doente que manifesta a mesma reação adversa, então podemos estar perante um dado importante. Foram os médicos de família que identificaram os primeiros efeitos adversos da terapêutica anti-retroviral administrada para o tratamento do VIH/SIDA, nomeadamente os casos de lipodistrofia ou lipoatrofia.

 

Em Portugal, muitos médicos de família queixam-se da falta de apoio, tempo e ferramentas para iniciarem atividades de investigação. Julga que uma base de dados e uma publicação como a vossa, centradas em relatos de casos, podem atuar como elementos desbloqueadores deste impasse?

Penso que muitos médicos de família estão interessados em fazer investigação. Podem nem sequer chamar a esse interesse investigação, mas são curiosos em relação aos seus pacientes, às condições patológicas que observam, a novas formas de tratar as pessoas. Uma maneira de se envolverem e iniciarem uma carreira em investigação passa por começarem a publicar artigos. E se há algo que todos nós podemos publicar – já que somos consultados por doentes num ritmo diário – são relatos de casos referentes às pessoas que observamos, sobretudo quando nos cruzamos com alguém que nos traz algo de desconhecido.

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Última actualização 2017-02-02